domingo, 29 de dezembro de 2013

Requiem

Se eu pudesse te dedicar qualquer coisa entre tantas, eu te dedicava este amanhecer. São 6 horas da manhã e a claridade começa a dar o ar da graça no Leme.

Tendo, afortunadamente, ficado trancada do lado de fora, eu te dedico a solidariedade do porteiro, que guardou minhas sacolas e minha bolsa.

Eu te dedico o desjejum da padaria recém-aberta, com suco de laranja, pão na chapa com manteiga e café preto no copo. Acho que o melhor desjejum que já tive.

Eu te dedico a genuína felicidade das duas putas na mesa da frente, depois de uma noite de muito trabalho ou talvez nem tanto, afinal, elas parecem realmente felizes.

Te dedico os jovens bêbados correndo e tirando fotos em direção ao mar. Te dedico a grande bola de fogo acordando em cima da água.

Te dedico as ondas que lambem minhas pernas. A espuma branca e a areia fofa.

Te dedico o olhar assustado da senhora por quem passei, que em muito me lembrou o teu olhar.

Te dedico o caminho até a pedra, as algas e os mariscos. Te dedico as flores para iemanjá, jogadas na praia.

Te dedico o banho do beagle, desesperado de medo das ondas, enquanto o seu dono o incentiva a nadar. E os bigodes da vira-lata contente por se saber livre.

Te dedico os passos de volta, olhando para o horizonte, Copacabana se iluminando.

Te dedico a vivacidade da velhinha de bengala, na pista dos ciclistas. A malandragem dos ambulantes e o sono da moça da farmácia, desanimada com minhas compras a esta hora da manhã.

Te dedico a gentileza do fiscal do supermercado ao levantar as grades e também as frutas, o pão quentinho e o bolo de laranja que comprei para meus anfitriões.

Te dedico, acima de tudo, o sorriso da linda menininha, de mãos dadas com o pai, no caixa. O sorriso puro dos filhos que nós nunca iremos ter.

Te dedico a serenidade dessa manhazinha no teu descanso. Espero um dia te ver novamente e viver contigo um amanhecer como este.